Cotacachi é uma vila andina que fica a duas horas ao norte de Quito e recentemente foi declarada como “primeiro Pueblo Mágico do norte do Equador”.
Assim que desci do autocarro senti-me maravilhada por aquele sítio. O sol, o calor, as cores, as boas vibrações… Posso dizer que foi quase amor à primeira vista. Transmitiu-me boas sensações e comecei logo a simpatizar com este local.


Depois de duas horas no autocarro desde Quito – um pouco atribuladas porque as sensações na estação de autocarros em Quito não foram de todo das mais seguras – foi um alívio chegar a um sítio onde se respirava tranquilidade e normalidade.
Pedimos a um taxi que nos levasse ao nosso destino: iamos ficar a dormir na casa de uma família de indígenas que estava a 3km do centro. Pagamos 3 dólares – preço combinado previamente com o motorista não fosse o diabo tecê-las. Lol.
Onde está alguém?
Chegámos à suposta casa onde tinhamos reservado quarto duplo para duas noites, mas não havia ninguém para nos receber. A casa era uma das poucas que figurava no meio das montanhas incríveis deste povo. Do lado esquerdo estava um porco e do lado direito galinhas rodeadas de árvores de fruto, cactos e outras plantas. Mais à frente havia dois cães e três gatos que descansavam calmamente no terraço da casa com uns graffittis super bonitos e que davam um toque muito especial áquele sítio.
Chegámos e chamamos por alguém, a ver se alguém nos ouvia e nos vinha atender. Ninguém veio. Então, esperamos durante uma hora, tranquilos… Ficamos ali com os cães e com os gatos à espera. O Alfonso tentava contactar por mensagem a ver se alguém lhe dava uma resposta, também foi perguntar pela – pouca – vizinhança, mas sem sucesso. Restava-nos esperar, com paciência.
Até que, passado uma hora apareceu uma senhora carregada de paus nas costas.
A senhora chamava-se Mercedes e parecia preocupada quando nos viu, dado que percebeu que tinhamos estado ali à espera sem ninguém para nos receber.
Acalmamo-la e dissemos-lhe que não havia problema. Na realidade, não havia. Eu estava contente por sentir tranquilidade depois de alguns dias em Quito onde a sensação de insegurança tomou conta de mim várias vezes.
A senhora Mercedes contou-nos, com o seu espanhol meio quechua, um pouco da sua história: que não foi à escola, que o filho decidiu criar aquele albergue como forma de que ela não trabalhasse tanto tempo no campo, que tinha três filhos e que aquilo já a ajudava bastante a passar bem o mês sem dificuldades económicas.
Ficamos contentes por estar a colaborar com aquela família, de alguma forma.
No dia seguinte fomos dar a volta ao lago de Cuicocha e ao regressar a casa conhecemos o Ali, um menino com um cabelo incrível e com uma energia contagiante. Estivemos a brincar com ele durante toda a tarde: ás corridas de carros, ás cartas, á bola… Pensei que talvez nunca tinha pessoas que brincassem com ele, porque imaginei que passava muito tempo sozinho. Ele ficou contente por ter ali pessoas que brincassem com ele. Foi recíproco.


Confissões na cozinha…
Aproveitávamos os momentos em que a dona Mercedes nos cozinhava – bem, que pratos! – para falarmos de várias coisas da vida e do dia a dia. No último dia ela confessou-me que o marido estava doente e que não ele não saía de casa porque o xamã lhe dizia que os cães não eram bons, que atraíam más energias. E ele acreditava muito em xamãs, não queria ir ao médico. Para quem não sabe, um xamã é como se fosse um curandeiro, portador de função religiosa mas que realizam contacto entre os animais, vegetais, minerais e espíritos ancestrais. Um bruxo, vá.


Ela quis deixar claro que não acreditava em xamãs e que eles só existem para levar o dinheiro de quem põe fé neles, como o seu marido. A Mercedes acreditava nos médicos, mas pelos vistos, pouco podia fazer para mudar a situação. Ali era ela quem trabalhava, era ela que fazia tudo.
A vida da dona Mercedes não era fácil. Notava isso nos olhos dela, além daquilo que os meus viam. Saía todas as manhãs para o campo depois de nos preparar o pequeno-almoço, ordenhava as vacas, lavava a loiça na pia que tinha na rua enquanto enxotava os gatos e estava rodeada pela horta e pelos restantes animais. Voltava ainda antes do sol se pôr carregada com folhas e paus às costas e ainda tinha tempo para cuidar do neto Ali quando ele chegava mais cedo de casa. À noite, preparava-nos o jantar e conversávamos.
Foi bom ter estado aqui.
